Uma das piadas mais sofisticadas da última versão para a divertida
série “Homens de preto” eu só percebi quando o próprio Will Smith chamou
minha atenção, numa entrevista que fiz com ele recentemente.
Antes do encontro, a produção de “MIB 3″ (como os fãs acostumaram-se a
chamar esse terceiro episódio) não mostrou o filme todo – revelando uma
preocupação muito contemporânea com a pirataria. Mesmo com seus
celulares recolhidos temporariamente, o que os jornalistas viram foram
apenas trechos (generosos, diga-se) do novo trabalho. A tal piada estava
num deles – e era tão óbvia, e ao mesmo tempo tão sutil, que eu na hora
nem me dei conta. (“Brigada do spoiler”, abaixe as armas: não estou
contando nenhum segredo fundamental do filme!).
Quando o agente J (Smith) volta ao passado para encontrar o jovem
agente K (interpretado por Josh Brolin), ele “aterrissa” no mesmo “QG”
que milhões de fãs do primeiro “Homens de preto” conhece bem – mas com
alguns detalhes diferentes. A tecnologia – com aparelhos inspirados nas
antigas séries de ficção científica dos anos 60 – é “retrô”, numa
referência ao que poderíamos chamar de “futuro do passado”. Isso é fácil
de notar. O que eu não tinha me dado conta, porém, é que os próprios
extraterrestres que circulam pelo cenário também são “figuras de época”.
Ao contrário das bizarras criaturas com computação gráfica de ponta que
povoaram os dois primeiros filmes (e boa parte do terceiro), o que
vemos são “alienígenas antigos”, “de carne e osso” – pessoas com caras
pintadas (verde e roxo pareciam ser as cores “espaciais” da moda),
corpos quase iguais aos dos pobres terráqueos (salvo por uma prótese de
borracha ou outra), e roupas que pareciam saídas das passarelas mais
disputadas mais de 40 anos atrás (Pierre Cardin, Paco Rabanne,
AndrèCourreges). Lembra (ou, se você tem menos de 50 anos, já pegou
alguma reprise) de “Perdidos no espaço”? Então, estou falando desse tipo
de ET!
Ainda não vi o filme todo – está na programação do meu fim de semana
-, mas faço hoje essa referência a “MIB 3″ porque há uma semana o tema
“ficção científica” não sai da minha cabeça. Primeiro porque, por acaso,
estive revendo há pouco tempo alguns episódios daquela que eu considero
a melhor série de TV de ficção científica de todos os tempos: “The
outerlimits”. (Ela durou poucas temporadas, em meados dos anos 60 – de
1963 a 1965 -, mas teve uma influência enorme, e é considerada um
clássico alternativo; aparentemente foi exibida no Brasil com o nome de
“A quinta dimensão”, mas eu comecei a conhecê-la em desajeitadas fitas
de VHS no final dos anos 80, e hoje me orgulho de ter todos os episódios
em DVD; apenas para dar o clima, aqui está a famosa abertura da série,
com a não menos famosa narração que começa dizendo
“there’snothingwrongwithyourtelevision set”, ou, “não há nada errado com
seu aparelho de TV”… ). Rever esse show é um exercício que sempre faço
quando as ideias que estão a minha volta parecem cansadas demais…
O segundo motivo pelo qual tenho pensado muito em “ficção científica”
é último número da revista “The New Yorker”, dedicado quase que
exclusivamente a este tema – e que devorei em questão de horas.
Geralmente nesta época do ano, eles saem com um número de
“summerficcion” – ou seja, “ficção de verão”, lembrando que, no
hemisfério norte, as estações são as opostas às nossas. É uma edição
importante – geralmente as grandes editoras americanas brigam para
conseguir encaixar seus figurões, ou mesmo novos talentos que querem
lançar, nessas páginas. A qualidade é sempre impecável – e o simples
fato de um autor aparecer nessa “New Yorker”, claro, já é não só um
prestígio como uma promessa de sucesso crítico e comercial. Este ano,
porém, no lugar de repetir o esforço de sempre, a revista tomou uma
atitude ousada: dedicou o número a autores de ficção científica – e
mais: comprou a briga da bancada (esnobe) que sempre insiste que esse
tipo de literatura não é… bem, não é literatura.
Fãs da ficção científica já cresceram familiarizados com esse tipo de
preconceito. Quantos adolescentes já não foram “repreendidos” por
estarem lendo um livro que “não é sério” – justamente de ficção
científica -, quando poderiam estar usando seu tempo melhor se dedicando
à literatura “de verdade”? Reações como essa não são um exagero – e o
relato de alguns autores consagrados na própria “New Yorker” sobre o
primeiro contato deles com o gênero só reforçam a ideia de que existe
sim um pré-julgamento não só a esse tipo de ficção, mas até mesmo aos
autores que se dedicam a ele. Quanta energia jogada fora…
MargaretAtwood, por exemplo, descrevenum artigo seu encantamento
quando, ainda criança (uma fase que, segundo ela, não nos obriga a
classificar nada que lemos), um conto numa revista, sobre um planeta
dominado por mulheres que depositavam seus ovos em homens capturados em
espaçonaves que ali desembarcavam, a deixou marcada para sempre. Karen
Russel – uma das novas sensações literárias americanas (que
misteriosamente continua inédita no Brasil, ainda que você possa
encomendar o bom “Lodolândia” em sites de livrarias portuguesas) –
brinca com um programa de incentivo à leitura (Book it!)
que algumas lojas do Pizza Hut nos Estados Unidos adotam, e que
crianças participam lendo títulos como “A espada de Shannara”, mas não
com obras como “Orgulho e preconceito”. William Gibson, o grande mestre
contemporâneo da ficção científica, também faz um relato pessoal sobre
seu primeiro contato com o gênero (nos idos dos anos 50), em livros que
descortinavam um “Amanhã cujo brilho confiante era visível além do
horizonte de tudo que era menos maravilhoso, desde que alguém tivesse
olhos para exergá-lo”…
A definição é belíssima – quase poética -, e serve perfeitamente
para descrever alguns dos melhores livros de ficção científica já
publicados, apesar, claro, desse “brilho do Amanhã” nem sempre ser muito
confiante. Neste mesmo número da “New Yorker”, um ensaio sobre as
primeiras descrições de vida fora da Terra na literatura popular, a
escritora Laura Miller resume brilhantemente nossa relação com seres
extraterrestres: “Apesar de tanta diversidade, essas criaturas acabam
caindo em dois grupos: aqueles com os quais conseguimos conviver e
aqueles com os quais não conseguimos conviver”. No primeiro grupo,
claro, estão “E.T.” e companhia. No segundo, todo tipo de invasores
enfurecidos que você pode imaginar – desde os temíveis seres de “Guerra
dos mundos”, de H.G. Weels, até as horripilantes variações sobre o tema
“Alien” (cuja mais recente encarnação está no ansiosamente esperado
filme “Prometeus”, de Ridley Scott).
No meio dessas duas categorias, estamos nós, indefesos humanos que
não sabemos se é melhor se apaixonar pelo alienígena (como já cantou
belissimamente David Bowie – ele próprio um ser que certamente pertence a
uma galáxia distante) ou se saímos correndo apavorados. Mas qualquer
que seja nossa reação, o que importa é que o gênero “ficção científica”
merece um pouco mais de respeito. No cinema, ele já conquistou isso.
Stanley Kubrick – com “2001: Uma odisseia no espaço” e “A laranja
mecânica” (seu autor, Anthony Burgess, tem um texto na mesma “New
Yorker” sobre essa obra) – foi o grande responsável por trazer
credibilidade ao gênero. (O próprio Ridley Scott, aliás, deve ser grato a
Kubrick por isso). Mas na literatura, o preconceito ainda persiste.
Será que Jennifer Egan por ajudar nesse sentido? O texto seu que a
“New Yorker” publica nesse número especial faz-me crer que sim. Com o
título de “Black box”, ela traz um conto inédito que, a princípio parece
apenas um truque – lembrando que a autora (uma das convidadas de honra
da vindoura décima edição da Flip) ficou famosa por incluir um capítulo
todo escrito no formato de um “power point”, no seu aclamado “A visita
cruel do tempo”. Sua história é toda contada em frases curtas, que, de
cara, lembram postagens de twitter. Mas aos poucos você começa a
perceber que essa não é a questão. Nem todas as frases estão beirando os
140 caracteres (o discutível limite do twitter). Ademais, o leitor aos
poucos vai percebendo que a decisão de escrever assim é menos de estilo e
mais perversa: o que você está lendo não é uma narrativa, mas uma
sequência de instruções.
“O fracasso do seu novo anfitrião em reconhecer sua presença pode indicar que mulheres não registram no seu campo de visão.
Ser invisível significa que você não será vigiada de perto.
Sua função é ser esquecida mas sempre presente.”
Mesmos os diálogos tomam, nesse conto de Egan, a forma de comandos, como neste outro trecho:
” ‘Onde você aprendeu a nadar assim?’ proferida preguiçosamente, com
indolência, e dois dedos nos seus cabelos, indica curiosidade.
Diga a verdade sem precisão.
‘Eu cresci perto de um lago’ é ao mesmo tempo verdadeiro e impreciso.
‘Onde era o lago?’ transmite descontentamento com sua imprecisão.
‘Columbia County, Nova York’ sugere precisão ao mesmo tempo que a evita.
‘Manhattan?’ revela traiçoeiramente pouca familiaridade com a geografia do estado de Nova York’.”
É brilhante! E é a melhor evidência que a “New Yorker” pode dar de
que ficção científica e boa literatura não são coisas excludentes!
Amantes ou não do gênero já superaram, quero acreditar, essa
discussão. Eu mesmo, confesso, não sou um fã dos mais antenados do que
existe na área. Como você que me acompanha aqui neste espaço sabe bem,
eu gosto é de um livro bem escrito. Nesse sentido, tenho cá minha lista
de títulos favoritos dessa “escola” – começando, claro, com dois autores
inquestionavelmente consagrados: Aldous Huxley (“Admirável mundo novo”)
e George Orwell (“1984″). Você pode até achar que estou citando clichês
– mas esses, para o bem ou para o mal, são inevitáveis.
Minha lista segue com a já citada Margaret Wood – sendo que meu livro
favorito dela é “O conto da aia”. “Fahrenheit 451″, do respeitado Ray
Bradbury (que morreu recentemente, não sem antes contribuir com um texto
também para esse número especial da “New Yorker”), não pode faltar.
Entre trabalhos mais contemporâneos, sou incansável admirador de “Uma
história de amor real e supertriste” de Gary Shteyngart – com sua
delirante descrição de um futuro não muito distante, onde o dólar é
cotado de acordo com as variações da moeda chinesa, e todo mundo tem um
“äppäräti” pendurado no pescoço, uma engenhoca que dá todo tipo de
informação que alguém precisa saber (inclusive o índice de
“fodabilidade” de todas as pessoas que estão no mesmo ambiente que
você…).
Mas o melhor de todos mesmo, para mim, é um livro que mal se encaixa
nesse rótulo: “Não me abandone jamais”, de KazuoIshiguro. Esqueça o
filme – se é que você cometeu o deslize de vê-lo. Essa é história mais
triste e mais perversa que alguém poderia imaginar para nosso futuro. Os
personagens criados por Ishiguro não usam roupas espaciais, não têm
armas superpoderosas nem andam pelas ruas exibindo antenas ou membros
sobressalentes. Mas eles foram imaginados vivendo num mundo onde a gente
já se esqueceu o que é ser humano – e, nesse sentido, “Não me abandone
jamais” está tão próximo dos contos brilhantes de Philip K. Dick, quando
esses estão de “Alien” e “Prometeus”.
Percebo agora que citei livros que não exatamente se identificam com a
parafernália futurística de boa parte das criações de ficção científica
– e, reconheço, talvez esteja cometendo uma injustiça. Por isso mesmo
vou terminar o post de hoje com uma pergunta para você: tem algum livro
seu favorito desse gênero para me indicar?
O refrão nosso de cada dia
“Me enamore de un robot”, La Monja Enana – para não ficar devendo nada ao lado mais espalhafatoso e quase cômico da ficção científica (afinal de contas, eu também sou fã incondicional de “Marte ataca!”, de Tim Burton), ofereço aqui essa pequena obras “kitsch-espacial” de uma obscura banda espanhola cujo nome quer dizer “A freira anã”. O título, se você precisar de tradução, quer dizer “Apaixonei-me por um robô”. E a música… é pura diversão para o ano 2076!
“Me enamore de un robot”, La Monja Enana – para não ficar devendo nada ao lado mais espalhafatoso e quase cômico da ficção científica (afinal de contas, eu também sou fã incondicional de “Marte ataca!”, de Tim Burton), ofereço aqui essa pequena obras “kitsch-espacial” de uma obscura banda espanhola cujo nome quer dizer “A freira anã”. O título, se você precisar de tradução, quer dizer “Apaixonei-me por um robô”. E a música… é pura diversão para o ano 2076!
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