sexta-feira, 15 de junho de 2012

Homens de preto, de verde, de roxo, de laranja, de prata…!!


Cena de 'Homens de Preto 3', com alienígenas em 1969

Uma das piadas mais sofisticadas da última versão para a divertida série “Homens de preto” eu só percebi quando o próprio Will Smith chamou minha atenção, numa entrevista que fiz com ele recentemente. Antes do encontro, a produção de “MIB 3″ (como os fãs acostumaram-se a chamar esse terceiro episódio) não mostrou o filme todo – revelando uma preocupação muito contemporânea com a pirataria. Mesmo com seus celulares recolhidos temporariamente, o que os jornalistas viram foram apenas trechos (generosos, diga-se) do novo trabalho. A tal piada estava num deles – e era tão óbvia, e ao mesmo tempo tão sutil, que eu na hora nem me dei conta. (“Brigada do spoiler”, abaixe as armas: não estou contando nenhum segredo fundamental do filme!).
Quando o agente J (Smith) volta ao passado para encontrar o jovem agente K (interpretado por Josh Brolin), ele “aterrissa” no mesmo “QG” que milhões de fãs do primeiro “Homens de preto” conhece bem – mas com alguns detalhes diferentes. A tecnologia – com aparelhos inspirados nas antigas séries de ficção científica dos anos 60 – é “retrô”, numa referência ao que poderíamos chamar de “futuro do passado”. Isso é fácil de notar. O que eu não tinha me dado conta, porém, é que os próprios extraterrestres que circulam pelo cenário também são “figuras de época”. Ao contrário das bizarras criaturas com computação gráfica de ponta que povoaram os dois primeiros filmes (e boa parte do terceiro), o que vemos são “alienígenas antigos”, “de carne e osso” – pessoas com caras pintadas (verde e roxo pareciam ser as cores “espaciais” da moda), corpos quase iguais aos dos pobres terráqueos (salvo por uma prótese de borracha ou outra), e roupas que pareciam saídas das passarelas mais disputadas mais de 40 anos atrás (Pierre Cardin, Paco Rabanne, AndrèCourreges). Lembra (ou, se você tem menos de 50 anos, já pegou alguma reprise) de “Perdidos no espaço”? Então, estou falando desse tipo de ET!
Ainda não vi o filme todo – está na programação do meu fim de semana -, mas faço hoje essa referência a “MIB 3″ porque há uma semana o tema “ficção científica” não sai da minha cabeça. Primeiro porque, por acaso, estive revendo há pouco tempo alguns episódios daquela que eu considero a melhor série de TV de ficção científica de todos os tempos: “The outerlimits”. (Ela durou poucas temporadas, em meados dos anos 60 – de 1963 a 1965 -, mas teve uma influência enorme, e é considerada um clássico alternativo; aparentemente foi exibida no Brasil com o nome de “A quinta dimensão”, mas eu comecei a conhecê-la em desajeitadas fitas de VHS no final dos anos 80, e hoje me orgulho de ter todos os episódios em DVD; apenas para dar o clima, aqui está a famosa abertura da série, com a não menos famosa narração que começa dizendo “there’snothingwrongwithyourtelevision set”, ou, “não há nada errado com seu aparelho de TV”… ). Rever esse show é um exercício que sempre faço quando as ideias que estão a minha volta parecem cansadas demais…

Capa da revista "New Yorker" sobre o tema

O segundo motivo pelo qual tenho pensado muito em “ficção científica” é último número da revista “The New Yorker”, dedicado quase que exclusivamente a este tema – e que devorei em questão de horas. Geralmente nesta época do ano, eles saem com um número de “summerficcion” – ou seja, “ficção de verão”, lembrando que, no hemisfério norte, as estações são as opostas às nossas. É uma edição importante – geralmente as grandes editoras americanas brigam para conseguir encaixar seus figurões, ou mesmo novos talentos que querem lançar, nessas páginas. A qualidade é sempre impecável – e o simples fato de um autor aparecer nessa “New Yorker”, claro, já é não só um prestígio como uma promessa de sucesso crítico e comercial. Este ano, porém, no lugar de repetir o esforço de sempre, a revista tomou uma atitude ousada: dedicou o número a autores de ficção científica – e mais: comprou a briga da bancada (esnobe) que sempre insiste que esse tipo de literatura não é… bem, não é literatura.
Fãs da ficção científica já cresceram familiarizados com esse tipo de preconceito. Quantos adolescentes já não foram “repreendidos” por estarem lendo um livro que “não é sério” – justamente de ficção científica -, quando poderiam estar usando seu tempo melhor se dedicando à literatura “de verdade”? Reações como essa não são um exagero – e o relato de alguns autores consagrados na própria “New Yorker” sobre o primeiro contato deles com o gênero só reforçam a ideia de que existe sim um pré-julgamento não só a esse tipo de ficção, mas até mesmo aos autores que se dedicam a ele. Quanta energia jogada fora…
MargaretAtwood, por exemplo, descrevenum artigo seu encantamento quando, ainda criança (uma fase que, segundo ela, não nos obriga a classificar nada que lemos), um conto numa revista, sobre um planeta dominado por mulheres que depositavam seus ovos em homens capturados em espaçonaves que ali desembarcavam, a deixou marcada para sempre. Karen Russel – uma das novas sensações literárias americanas (que misteriosamente continua inédita no Brasil, ainda que você possa encomendar o bom “Lodolândia” em sites de livrarias portuguesas) – brinca com um programa de incentivo à leitura (Book it!) que algumas lojas do Pizza Hut nos Estados Unidos adotam, e que crianças participam lendo títulos como “A espada de Shannara”, mas não com obras como “Orgulho e preconceito”. William Gibson, o grande mestre contemporâneo da ficção científica, também faz um relato pessoal sobre seu primeiro contato com o gênero (nos idos dos anos 50), em livros que descortinavam um “Amanhã cujo brilho confiante era visível além do horizonte de tudo que era menos maravilhoso, desde que alguém tivesse olhos para exergá-lo”…
A definição é belíssima – quase poética -, e  serve perfeitamente para descrever alguns dos melhores livros de ficção científica já publicados, apesar, claro, desse “brilho do Amanhã” nem sempre ser muito confiante. Neste mesmo número da “New Yorker”, um ensaio sobre as primeiras descrições de vida fora da Terra na literatura popular, a escritora Laura Miller resume brilhantemente nossa relação com seres extraterrestres: “Apesar de tanta diversidade, essas criaturas acabam caindo em dois grupos: aqueles com os quais conseguimos conviver e aqueles com os quais não conseguimos conviver”. No primeiro grupo, claro, estão “E.T.” e companhia. No segundo, todo tipo de invasores enfurecidos que você pode imaginar – desde os temíveis seres de “Guerra dos mundos”, de H.G. Weels, até as horripilantes variações sobre o tema “Alien” (cuja mais recente encarnação está no ansiosamente esperado filme “Prometeus”, de Ridley Scott).
No meio dessas duas categorias, estamos nós, indefesos humanos que não sabemos se é melhor se apaixonar pelo alienígena (como já cantou belissimamente David Bowie – ele próprio um ser que certamente pertence a uma galáxia distante) ou se saímos correndo apavorados. Mas qualquer que seja nossa reação, o que importa é que o gênero “ficção científica” merece um pouco mais de respeito. No cinema, ele já conquistou isso. Stanley Kubrick – com “2001: Uma odisseia no espaço” e “A laranja mecânica” (seu autor, Anthony Burgess, tem um texto na mesma “New Yorker” sobre essa obra) – foi o grande responsável por trazer credibilidade ao gênero. (O próprio Ridley Scott, aliás, deve ser grato a Kubrick por isso). Mas na literatura, o preconceito ainda persiste.
Será que Jennifer Egan por ajudar nesse sentido? O texto seu que a “New Yorker” publica nesse número especial faz-me crer que sim. Com o título de “Black box”, ela traz um conto inédito que, a princípio parece apenas um truque – lembrando que a autora (uma das convidadas de honra da vindoura décima edição da Flip) ficou famosa por incluir um capítulo todo escrito no formato de um “power point”, no seu aclamado “A visita cruel do tempo”. Sua história é toda contada em frases curtas, que, de cara, lembram postagens de twitter. Mas aos poucos você começa a perceber que essa não é a questão. Nem todas as frases estão beirando os 140 caracteres (o discutível limite do twitter). Ademais, o leitor aos poucos vai percebendo que a decisão de escrever assim é menos de estilo e mais perversa: o que você está lendo não é uma narrativa, mas uma sequência de instruções.
“O fracasso do seu novo anfitrião em reconhecer sua presença pode indicar que mulheres não registram no seu campo de visão.
Ser invisível significa que você não será vigiada de perto.
Sua função é ser esquecida mas sempre presente.”
Mesmos os diálogos tomam, nesse conto de Egan, a forma de comandos, como neste outro trecho:
” ‘Onde você aprendeu a nadar assim?’ proferida preguiçosamente, com indolência, e dois dedos nos seus cabelos, indica curiosidade.
Diga a verdade sem precisão.
‘Eu cresci perto de um lago’ é ao mesmo tempo verdadeiro e impreciso.
‘Onde era o lago?’ transmite descontentamento com sua imprecisão.
‘Columbia County, Nova York’ sugere precisão ao mesmo tempo que a evita.
‘Manhattan?’ revela traiçoeiramente pouca familiaridade com a geografia do estado de Nova York’.”
É brilhante! E é a melhor evidência que a “New Yorker” pode dar de que ficção científica e boa literatura não são coisas excludentes!
Amantes ou não do gênero já superaram, quero acreditar, essa discussão. Eu mesmo, confesso, não sou um fã dos mais antenados do que existe na área. Como você que me acompanha aqui neste espaço sabe bem, eu gosto é de um livro bem escrito. Nesse sentido, tenho cá minha lista de títulos favoritos dessa “escola” – começando, claro, com dois autores inquestionavelmente consagrados: Aldous Huxley (“Admirável mundo novo”) e George Orwell (“1984″). Você pode até achar que estou citando clichês – mas esses, para o bem ou para o mal, são inevitáveis.
Minha lista segue com a já citada Margaret Wood – sendo que meu livro favorito dela é “O conto da aia”. “Fahrenheit 451″, do respeitado Ray Bradbury (que morreu recentemente, não sem antes contribuir com um texto também para esse número especial da “New Yorker”), não pode faltar. Entre trabalhos mais contemporâneos, sou incansável admirador de “Uma história de amor real e supertriste” de Gary Shteyngart – com sua delirante descrição de um futuro não muito distante, onde o dólar é cotado de acordo com as variações da moeda chinesa, e todo mundo tem um “äppäräti” pendurado no pescoço, uma engenhoca que dá todo tipo de informação que alguém precisa saber (inclusive o índice de “fodabilidade” de todas as pessoas que estão no mesmo ambiente que você…).
Mas o melhor de todos mesmo, para mim, é um livro que mal se encaixa nesse rótulo: “Não me abandone jamais”, de KazuoIshiguro. Esqueça o filme – se é que você cometeu o deslize de vê-lo. Essa é história mais triste e mais perversa que alguém poderia imaginar para nosso futuro. Os personagens criados por Ishiguro não usam roupas espaciais, não têm armas superpoderosas nem andam pelas ruas exibindo antenas ou membros sobressalentes. Mas eles foram imaginados vivendo num mundo onde a gente já se esqueceu o que é ser humano – e, nesse sentido, “Não me abandone jamais” está tão próximo dos contos brilhantes de Philip K. Dick, quando esses estão de “Alien” e “Prometeus”.
Percebo agora que citei livros que não exatamente se identificam com a parafernália futurística de boa parte das criações de ficção científica – e, reconheço, talvez esteja cometendo uma injustiça. Por isso mesmo vou terminar o post de hoje com uma pergunta para você: tem algum livro seu favorito desse gênero para me indicar?
O refrão nosso de cada dia
“Me enamore de un robot”, La Monja Enana – para não ficar devendo nada ao lado mais espalhafatoso e quase cômico da ficção científica (afinal de contas, eu também sou fã incondicional de “Marte ataca!”, de Tim Burton), ofereço aqui essa pequena obras “kitsch-espacial” de uma obscura banda espanhola cujo nome quer dizer “A freira anã”. O título, se você precisar de tradução, quer dizer “Apaixonei-me por um robô”. E a música… é pura diversão para o ano 2076!
 g1.globo.com

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